O recado de um Brasil líder mundial

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Congresso Internacional do Senepol coloca país à frente da organização da raça

O Brasil é, mesmo, meio Midas do agronegócio. Tudo o que é inventado lá fora chega a aqui e ganha dimensões, qualidade e volume que impressionam o mundo. E atraem um grande número de interessados em caminhar na nossa esteira. É assim com tecnologias empregadas em diversos segmentos. É assim com raças equinas, caprinas ou bovinas. É assim no Senepol. O Congresso Internacional da raça, encerrado neste final de semana, em Uberlândia/MG, mostrou isso. E colocou o Brasil de novo na liderança de organização da raça inventada no começo do século passado na pequena Saint Croix, Ilhas Virgens.

A maior prova veio na metade do Congresso. Enquanto todos os criadores, técnicos e quaisquer interessados em números de produtividade ouviam as palestras de um grande número de autoridades em diversos assuntos, houve uma reunião aberta organizada pela Associação Brasileira dos Criadores de Bovinos Senepol (ABCB) com os presidentes de associações nacionais de outros nove países, mais o da Senepol Cattle Breeders Association (SCBA), que regulamenta a raça mundialmente desde 1954, quando foi criada, nos EUA.

Antes que cada estrangeiro apresentasse os seus números, o representante americano da SCBA foi interpelado quando cobrava algo que o Brasil não precisa mais submeter a chancelas que não sejam atestados de eficiência. O presidente da ABCB, Gilmar Goudard, suplicou com um pouco mais de veemência que os integrantes da SCBA definam uma padronização mundial para a raça. “Nossas conversas duram dois anos e não evoluem”, cobrou o dirigente brasileiro. “Nós temos organização e volume suficientes para dar início a uma unificação de dados da raça, mas vocês precisam colaborar”, chegou a propor, obtendo apoio maciço dos demais integrantes da mesa.

O resultado foi o primeiro passo nessa direção dado na reunião da tarde, que colocou dirigentes latinos com uma interferência maior na questão da regulamentação mundial da raça.

Não é para menos o Brasil ter essa importância. Nos números apresentados, os dados nacionais de alguns países não chegam a um criatório de nível médio no Brasil, em termos de tamanho e tecnologia empregada no rebanho.

Mesmo nos Estados Unidos, o rebanho vem diminuindo e o Senepol guarda apenas uma base genética pequena para refrescar alguns criatórios que conservam a raça para cruzamentos. Se formos descendo para mais perto da ilha de origem da raça, onde o Senepol está quase em extinção, o rebanho puro do Panamá não passa de 1250 cabeças de 22 associados (são quase 10 mil os animais cruzados registrados).

Na Costa Rica e República Dominicana, o Senepol se tornou há 15 anos a grande solução para consumo interno de carne de qualidade e leite com boa produtividade a pasto. Na Costa Rica, 600 animais puros são usados para cruza com outras raças taurinas para produção de proteína vermelha. E com Holandês ou Jersey – ou o F-1 desses com outras taurinas – para melhorar a produção leiteira, que gira em torno de 15 a 20 litros por dia. O mesmo índice se verifica nas vacas Jerseypol (touro Senepol em vaca Jersey ou cruzada), raça registrada na pecuária dominicana, onde o Senepol entrou na virada do milênio pelas mãos de uma família, que depois espalhou para poucas mais, a fim de incrementar a produtividade para consumo interno e atendimento ao pólo turístico local.

Atravessando o oceano, foi interessante descobrir que no país do Bonsmara, a África do Sul, o Senepol também está muito bem estruturado. Por lá, o Senepol chegou em 2000, com as primeiras importações feitas do Zimbábue e, no ano seguinte, se tornou associação independente que, hoje, registra 480 machos e 2333 fêmeas. A raça é muito utilizada apenas com outras taurinas locais para obtenção dos melhores bezerros de corte que o país pode produzir.

O Senepol, ainda que em volume ínfimo, também é a grande solução para a deficitária pecuária venezuelana, que tem mercados fechados por todo lado por causa do isolamento político e administrativo que o chavismo submeteu o país nas últimas décadas. Até hoje, ainda registra seus poucos animais puros na SCBA e é dependente de uma unificação de dados para ter acesso a mais genética e de mais consistência.

O mesmo volume pequeno se registra na Argentina, onde o Senepol encontra como grandes rivais as já consolidadas Angus, Brangus, Braford e outras 13 raças taurinas com as quais se cruza o Senepol, para tornar a sua predominância uma condição insubstituível na pecuária portenha – nas palavras de seu próprio representante.

Na América do Sul, dois países que já têm números um pouco mais expressivos são Colômbia e Paraguai. O primeiro, ainda vivendo a corrida de volta ao campo do homem acuado durante décadas passadas pelas Farc, começou a procurar alternativas para diversificação e melhoramento de sua produção, concentrada 90% no Brahman com origem nos EUA. No Senepol, encontrou algumas dessas soluções de adaptabilidade necessárias para cobrir a campo, já que IA e IATF ainda são recursos acessíveis para pouquíssimos. Em 15 anos num país com rebanho de 47 milhões de cabeças, o Senepol já atingiu, por sua força natural, 37 mil animais registrados. São 3 mil P.O. de 47 membros da associação nacional da raça, que segue em expansão por lá.

O Paraguai, porta de entrada do Senepol na América, em 1996, incentivou programas para registro de animais buscando, além de produtividade e valorização, uma grande alternativa para as já predominantes Brangus e Braford. O país verificava venda de animais com ou sem registro sem diferença de valores e, com esse incentivo, um animal puro que mostre seus resultados comerciais já ganhou US$ 3 mil de valor agregado. Por isso, o rebanho voltou a crescer recentemente, ao ponto de se verificar 15 mil animais registrados de 28 criatórios na associação nacional, que aguarda para 2015 o nascimento de mais 1.200 animais puros.

O poder que o Brasil pode exercer nessa unificação está ligado ao seu rebanho superior às 48 mil cabeças dos diversos graus de sangue, sendo pouco mais da metade desse número de animais puros, cerca de 25 mil, que contribuem para a ampliação de uma base genética diversificada.

Essa base foi mostrada, em parte, nos 450 exemplares hospedados no parque do Camaru, durante a semana do Congresso, e impressionou todos os visitantes. Base que representa parte do que os 222 sócios da ABCB tem desenvolvido nos campos por onde se espalhou essa raça. Um volume e uma qualidade que dispensam qualquer inspeção, suspeição ou dúvida. Um rebanho que está padronizado, controlado, valorizado e cada vez mais desejado. Aqui e lá fora.

Em Foco

* A primeira contribuição do Brasil para formação de uma base de dados de animais avaliados em busca da padronização mundial do Senepol pode – e deve – vir através da Embrapa e do programa Geneplus. Proposta do presidente Gilmar Goudard levou ao palco do Congresso Internacional o pesquisador Luís Otávio Campos Filho, que acha possível cada país organizar sua estrutura com técnicos e pesquisadores que unifiquem a coleta de dados, para que a Embrapa possa validá-los e, após a compilação, elaborar um documento mundial da raça, para viabilizar material genético de qualidade confiável aos criadores integrados de todos os países. E isso não deve demorar a ocorrer.

* Assim como já acontece em outras raças bovinas pelo Brasil, especialmente no Nelore, novas provas de desempenho estão incrementando a identificação de animais mais produtivos do Senepol. Está marcado para janeiro o início de uma nova avaliação de eficiência alimentar organizado pela ABCB-Senepol em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O Teste de Eficiência Alimentar de Bovinos Senepol vai começar com 55 animais de sobreano de até 10 criatórios que se interessem em avaliar seus animais quanto a um item que tem feito a diferença nos campos e nos cochos, graças à identificação dessa característica de herdabilidade média a alta. Só um detalhe: como a capacidade de participação da prova será preenchida por ordem de pedido de inscrição, acho que a UFU vai precisar de mais que uma edição anual para atender tanta gente interessada em manter a responsabilidade de avaliar seus melhores indivíduos.

* Pra mim, em particular, não poderia terminar melhor o Congresso Internacional do Senepol. Uma breve palestra, que me foi pedida pela ABCB, encerrou o ciclo da semana e, após uma homenagem que me surpreendeu prestada pelos dirigentes nacionais com um troféu, o lançamento do livro “Senepol, Feito para o Brasil” gerou um grande interesse. A associação “escondeu” o livro a semana toda e, na sexta-feria, após mais de 1h30 de assinaturas e dedicatórias, todos saíram do Castelli Hall satisfeitos com o que tinham nas mãos, um documento histórico da raça que se faz tão grande no Brasil. Vai ser difícil esquecer essa semana que passou. Mesmo enquanto eu estiver por aí novamente a partir de já, procurando algo bom pra contar aqui na Enfoque. E se isso é todo dia, na semana que vem tem mais. Até lá.

 

Fonte: Daniel de Paula – UOL